quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Too Drunk To Fuck

But in my room/wish you were dead/You bawl like the baby in Eraserhead

Menção honrosa ao clássico de David Lynch no clássico dos Dead Kennedys. Mostrando que a influência cinematográfica no punk não se resume a zumbis, assassinatos brutais e putas intergaláticas que comem cérebros.

Correlacionando "Too Drunk To Fuck" com o cinema trash, vale lembrar que uma versão ligeiramente mais cool dessa música foi usada no filme Planeta Terror, do Robert Rodriguez. O cover é autoria do grupo francês Nouvelle Vague, cujo som não tem nada de punk, mas que se popularizou fazendo covers melódicos e groovados de bandas como Buzzcocks, Blondie, ou no caso os próprios Dead Kennedys.

No Planeta Terror, a música é usada como tema de fundo para uma go-go dancer com uma perna de pau fazer uma dança erótica enquanto chora e um Quentin Tarantino mutante aponta uma arma pra cabeça dela e diz coisas indecentes.

domingo, 12 de dezembro de 2010

A Jukebox de Tarantino - Goes to show you never can tell

Provavelmente a cena mais marcante de todo o cinema americano dos anos 90.

O uso da música do mestre Chuck Berry evidencia o gosto de Tarantino pelo rockabilly, além da temática e estilo dos anos 50 de um modo bem geral. Nessa cena em particular, Mia e Vincent vão jantar num restaurante temático justamente nesse estilo, com direito até a um Steve Buscemi vestido de Buddy Holly como garçom.

A dança, porém, com certeza chama mais atenção que a música. É engraçado pensar que só essa cena inspirou uma geração inteira de maus-dançarinos. Hoje em dia, todo mundo que não sabe dançar dança exatamente assim. Quem, com seus trinta ou quarenta anos na cara, numa pista de dança de casamento, de festa de debutante ou de Bar-Mitzvá, nunca dançou um twist que nem esse do Vicent? Ou essa mashed potatoe no melhor estilo Elvis/Forrest Gump? Que mulher que cai na pista depois da quinta dose nunca fez esses monkeys da Mia, se descabelando toda? E que atire a primeira pedra o casal que só na hora de dançar em público foi que se tocou que não sabia fazer isso, e ficou só indo e vindo na watusi que nem o casalzinho Pulp Fiction.

Essa cena tem lá sua importância no enredo do filme. Ao longo desse segmento, vemos o quanto Mia faz questão de mostrar o seu lado sedutor, e o quanto ela se diverte vendo Vincent pisando em ovos quando tenta resistir às indiretas que ele claramente adora, ao mesmo tempo que tenta manter a pose de durão, de "all-business", de "eu só te trouxe aqui pra jantar". A questão é que Vincent conhece a reputação de Marsellus Wallace pelo menos desde o início do filme, quando Jules menciona que o patrão mandou jogar um cara de um prédio e através de uma vidraça depois que ele fez uma massagem nos pés da sua querida esposa Mia. Quando ele contrata Vincent para tomar conta da mulher enquanto ele viaja, fica uma certa desconfiança no ar.

Dá para aprender bastante sobre a química entre o casalzinho Pulp Fiction quando estudamos os movimentos deles na dança e colocamos ela no contexto. Quem tira o outro para dançar é ela, que segundos antes foi no banheiro dar um teco. A dança começa como uma brincadeira, meio monótona e sem sal. Mia começa a avançar na direção de Vincent, balançando os quadris, e ele tenta não se alterar. Nessa parte vale prestar atenção nos olhares; Vincent tenta desviar a visão dos olhos dela, mas não consegue parar de prestar atenção no corpo. Já Mia percebe isso e começa a dançar de forma mais sensual, com gestos mais lânguidos, e acima de tudo lançando olhares penetrantes. Depois disso ela avança nele com a sua técnia milenar da watusi fatal, certamente aprendida na Academia de Dança do Mestre Pai Mei, e ele tenta encarar ela sem se deixar seduzir. A partir daí os dois começam a dançar os mesmos passos, mas notamos que Mia dança com bem mais entusiasmo. Uma boa pista disso é o cabelo; Mia assanhando seu chanelzinho icônico, enquanto o rabo-de-cavalo de Vincent não se desfaz em um único fio. A cena esquenta mesmo na parte do pianinho, quando Mia começa a dançar de forma ainda mais sensual, e consegue até instigar Vincent a arriscar umas avançadas que nem as dela.

Talvez seja por isso que essa cena é tão importante para o filme. Só nesses passos de dança nós aprendemos mais sobre o pseudo-romance desses dois personagens do que qualquer diálogo longo e clichê cheio de o "Oh Vicent" e "Oh Mia". Durante essa dança eles não falam uma única palavra, mas têm um diálogo riquíssimo. Pouco antes dessa cena, Mia comenta com Vincent o quão romântico e afetivo o silêncio pode ser.

Tarantino não é considerado por tantos um mestre do diálogo cinematográfico só pelas suas frases de efeito ou pela naturalidade das conversas casuais entre os personagens. Ele mostra sua habilidade nesse ramo da dramaturgia quando cria uma química entre um personagem e outro sem utilizar um único som com exceção da música de fundo. Tanto no cinema quanto na vida real, existe muito diálogo entre duas pessoas que não falam nada.

Aos leitores mais classudos, aqui vai um detalhe interessante: Quem inspirou essa cena foi ninguém menos que Jean-Luc Godard. O filme Bande à part foi uma grande inspiração para Tarantino, que até tirou desse título o nome da sua companhia cinematográfica (A Band Apart). Nesse clássico um tanto obscuro da nouvelle vague, vemos a concepção própria que Godard tem de uma cena de dança:

O jeito que Godard descreve, da forma mais metalinguística possível, os sentimentos dos personagens enquanto eles dançam nada mais é do que uma versão um tanto mais conceitual (pra não dizer avacalhada) do que Tarantino faz na sua própria sequência. Engraçado que enquanto ele dá todo esse enfoque à música, Godard faz questão de interromper grosseiramente o fundo musical para fazer suas observações sobre o que se passa na cabeça dos personagens.

Enfim, mas deixando de lado por um minuto toda essa simbologia da dança, não dá para negar que é engraçado comparar esse Travolta de Pulp Fiction com aquele garotão cheio de swing do velho Os Embalos de Sábado À Noite e concluir que os dois são a mesma pessoa.

Duvido que Quentin não tenha considerado encaixar no filme uma cena de dança antológica com Travolta, no qual ele e Uma arrasam na pista com passos de dança frenéticos e swingados. Mas por outro lado ele foi esperto de ter escolhido só aquele twistzinho cheio de insinuações românticas. Nem todos os passos de disco, funk, swing, tango, charleston, rumba, lambada, madison, samba e sei-lá-que-outra-porra juntos vão ser tão épicos quanto a dancinha do Pulp Fiction.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Girl Grit

Acabei de ver esse trailer do novo filme dos irmãozinhos prodígios Joel e Ethan, Bravura Indômita.

Os fãs do bom e velho western americano vão reconhecer esse título na certa. True Grit foi um dos grandes sucessos do velho de guerra John Wayne, lançado em 69, cujo elenco também contava com o músico country Glen Champbell e os ainda girinos Robert Duvall e Dennis Hopper. O personagem de Johnny, Rooster Cogburn, virou um de suas encarnações mais marcantes no cinema.

Dessa vez contamos com Jeff Bridges no papel principal, o que soa bem, dado o currículo do ator. Além de ser um velho amigo e colaborador dos irmãos co-diretores, Jeff já teve seus momentos de durão e beberrão ao longo da carreira. Cogburn foi um personagem marcante tanto na carreira de John Wayne quanto no cinema americano. Destacou-se justamente por ter sido um dos primeiros herois de western hollywoodiano a adotar o arquétipo do anti-heroi durão e pinguço. Um sujeito violento mas honesto, imoral mas justo. Hoje em dia esse é o personagem que mais se vê em filmes de ação, quadrinhos e video games, mas naquela época isso ainda era raro de se ver. Talvez o Cogburn do filme dos Coen não tenha o mesmo impacto no público da sua época como o das antigas teve, mas não há dúvidas que um bom personagem nas mãos de um bom ator sempre rende. Agora, teria Jeff Bridges o mesmo grit de Johnny para encarnar esse papel? Veremos, veremos...

Um detalhe que chama à atenção em Bravura Indômita é que Cogburn não é exatamente o personagem principal. A história é na realidade protagonizada por uma menina chamada Mattie Ross, que é quem põe toda a narrativa nos trilhos. A aventura começa depois que seu pai é assassinado e ela decide partir atrás do assassino, buscando a ajuda do nosso Rooster Cogburn e eventualmente contando também com o Texas ranger La Boeuf na esperança de vingar a morte do finado pai, seja por lei ou por chumbo. O que mais nos chama à atenção na personagem de Mattie é que ela é tão impulsiva, ousada e destemida quanto os próprios pistoleiros que a acompanham.

Enquanto o Cogburn do filme de 69 representou um novo conceito em heroi, a Mattie Ross interpretada por Kim Darby marcou mais pela estética do que pela persona. A atriz encarnou a figura jovem e andrógena de uma menina de cabelos curtos, roupas de homem e chapéu de cowboy. Como se não bastasse sua personalidade ousada e estupidamente valente, Mattie também tinha um visual perfeitamente masculino. A personagem do livro, da mesma forma que a nova Mattie do filme dos Coen, é uma menina de aparência bastante convencional, com suas trancinhas de garotinha de fazenda e tudo. A ideia de transformar Mattie numa figura masculina é exclusiva do filme de 69.

Isso é um bom sinal. Além do filme ajudar a popularizar a imagem do justiceiro imoral através de Cogburn, ele também colaborou na popularização da personagem "tomboy"; uma menina dotada de colhões (metafóricos) e que mesmo assim não abre mão do seu lado feminino. Da mesma forma que hoje é comum vermos personagens de moral duvidosa à la Cogburn protagonizando as histórias, também não é nada fora do convencional vermos mulheres de todas as idades que se encaixam perfeitamente nesse arquétipo que Mattie representa, tanto na ficção quanto na realidade. O que é mais curioso é que isso não era comum nem na época que o filme saiu e muito menos na época em que a história se dá. Terem concebido Mattie da forma que fizeram não foi nada menos ousado do que a concepção de Cogburn, talvez até bem mais. A personagem acabou representando um ponto na história no qual as mulheres passaram a provar que não deviam nada aos homens em caráter de coragem e bravura, fosse no velho oeste ou nos anos 60. Johnny se garante, mas Mattie Ross também tem todo o grit que ela precisa.

Infelizmente o fato dela se parecer com o Justin Bieber tira a credibilidade de tudo isso que eu acabei de falar.