quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Too Drunk To Fuck

But in my room/wish you were dead/You bawl like the baby in Eraserhead

Menção honrosa ao clássico de David Lynch no clássico dos Dead Kennedys. Mostrando que a influência cinematográfica no punk não se resume a zumbis, assassinatos brutais e putas intergaláticas que comem cérebros.

Correlacionando "Too Drunk To Fuck" com o cinema trash, vale lembrar que uma versão ligeiramente mais cool dessa música foi usada no filme Planeta Terror, do Robert Rodriguez. O cover é autoria do grupo francês Nouvelle Vague, cujo som não tem nada de punk, mas que se popularizou fazendo covers melódicos e groovados de bandas como Buzzcocks, Blondie, ou no caso os próprios Dead Kennedys.

No Planeta Terror, a música é usada como tema de fundo para uma go-go dancer com uma perna de pau fazer uma dança erótica enquanto chora e um Quentin Tarantino mutante aponta uma arma pra cabeça dela e diz coisas indecentes.

domingo, 12 de dezembro de 2010

A Jukebox de Tarantino - Goes to show you never can tell

Provavelmente a cena mais marcante de todo o cinema americano dos anos 90.

O uso da música do mestre Chuck Berry evidencia o gosto de Tarantino pelo rockabilly, além da temática e estilo dos anos 50 de um modo bem geral. Nessa cena em particular, Mia e Vincent vão jantar num restaurante temático justamente nesse estilo, com direito até a um Steve Buscemi vestido de Buddy Holly como garçom.

A dança, porém, com certeza chama mais atenção que a música. É engraçado pensar que só essa cena inspirou uma geração inteira de maus-dançarinos. Hoje em dia, todo mundo que não sabe dançar dança exatamente assim. Quem, com seus trinta ou quarenta anos na cara, numa pista de dança de casamento, de festa de debutante ou de Bar-Mitzvá, nunca dançou um twist que nem esse do Vicent? Ou essa mashed potatoe no melhor estilo Elvis/Forrest Gump? Que mulher que cai na pista depois da quinta dose nunca fez esses monkeys da Mia, se descabelando toda? E que atire a primeira pedra o casal que só na hora de dançar em público foi que se tocou que não sabia fazer isso, e ficou só indo e vindo na watusi que nem o casalzinho Pulp Fiction.

Essa cena tem lá sua importância no enredo do filme. Ao longo desse segmento, vemos o quanto Mia faz questão de mostrar o seu lado sedutor, e o quanto ela se diverte vendo Vincent pisando em ovos quando tenta resistir às indiretas que ele claramente adora, ao mesmo tempo que tenta manter a pose de durão, de "all-business", de "eu só te trouxe aqui pra jantar". A questão é que Vincent conhece a reputação de Marsellus Wallace pelo menos desde o início do filme, quando Jules menciona que o patrão mandou jogar um cara de um prédio e através de uma vidraça depois que ele fez uma massagem nos pés da sua querida esposa Mia. Quando ele contrata Vincent para tomar conta da mulher enquanto ele viaja, fica uma certa desconfiança no ar.

Dá para aprender bastante sobre a química entre o casalzinho Pulp Fiction quando estudamos os movimentos deles na dança e colocamos ela no contexto. Quem tira o outro para dançar é ela, que segundos antes foi no banheiro dar um teco. A dança começa como uma brincadeira, meio monótona e sem sal. Mia começa a avançar na direção de Vincent, balançando os quadris, e ele tenta não se alterar. Nessa parte vale prestar atenção nos olhares; Vincent tenta desviar a visão dos olhos dela, mas não consegue parar de prestar atenção no corpo. Já Mia percebe isso e começa a dançar de forma mais sensual, com gestos mais lânguidos, e acima de tudo lançando olhares penetrantes. Depois disso ela avança nele com a sua técnia milenar da watusi fatal, certamente aprendida na Academia de Dança do Mestre Pai Mei, e ele tenta encarar ela sem se deixar seduzir. A partir daí os dois começam a dançar os mesmos passos, mas notamos que Mia dança com bem mais entusiasmo. Uma boa pista disso é o cabelo; Mia assanhando seu chanelzinho icônico, enquanto o rabo-de-cavalo de Vincent não se desfaz em um único fio. A cena esquenta mesmo na parte do pianinho, quando Mia começa a dançar de forma ainda mais sensual, e consegue até instigar Vincent a arriscar umas avançadas que nem as dela.

Talvez seja por isso que essa cena é tão importante para o filme. Só nesses passos de dança nós aprendemos mais sobre o pseudo-romance desses dois personagens do que qualquer diálogo longo e clichê cheio de o "Oh Vicent" e "Oh Mia". Durante essa dança eles não falam uma única palavra, mas têm um diálogo riquíssimo. Pouco antes dessa cena, Mia comenta com Vincent o quão romântico e afetivo o silêncio pode ser.

Tarantino não é considerado por tantos um mestre do diálogo cinematográfico só pelas suas frases de efeito ou pela naturalidade das conversas casuais entre os personagens. Ele mostra sua habilidade nesse ramo da dramaturgia quando cria uma química entre um personagem e outro sem utilizar um único som com exceção da música de fundo. Tanto no cinema quanto na vida real, existe muito diálogo entre duas pessoas que não falam nada.

Aos leitores mais classudos, aqui vai um detalhe interessante: Quem inspirou essa cena foi ninguém menos que Jean-Luc Godard. O filme Bande à part foi uma grande inspiração para Tarantino, que até tirou desse título o nome da sua companhia cinematográfica (A Band Apart). Nesse clássico um tanto obscuro da nouvelle vague, vemos a concepção própria que Godard tem de uma cena de dança:

O jeito que Godard descreve, da forma mais metalinguística possível, os sentimentos dos personagens enquanto eles dançam nada mais é do que uma versão um tanto mais conceitual (pra não dizer avacalhada) do que Tarantino faz na sua própria sequência. Engraçado que enquanto ele dá todo esse enfoque à música, Godard faz questão de interromper grosseiramente o fundo musical para fazer suas observações sobre o que se passa na cabeça dos personagens.

Enfim, mas deixando de lado por um minuto toda essa simbologia da dança, não dá para negar que é engraçado comparar esse Travolta de Pulp Fiction com aquele garotão cheio de swing do velho Os Embalos de Sábado À Noite e concluir que os dois são a mesma pessoa.

Duvido que Quentin não tenha considerado encaixar no filme uma cena de dança antológica com Travolta, no qual ele e Uma arrasam na pista com passos de dança frenéticos e swingados. Mas por outro lado ele foi esperto de ter escolhido só aquele twistzinho cheio de insinuações românticas. Nem todos os passos de disco, funk, swing, tango, charleston, rumba, lambada, madison, samba e sei-lá-que-outra-porra juntos vão ser tão épicos quanto a dancinha do Pulp Fiction.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Girl Grit

Acabei de ver esse trailer do novo filme dos irmãozinhos prodígios Joel e Ethan, Bravura Indômita.

Os fãs do bom e velho western americano vão reconhecer esse título na certa. True Grit foi um dos grandes sucessos do velho de guerra John Wayne, lançado em 69, cujo elenco também contava com o músico country Glen Champbell e os ainda girinos Robert Duvall e Dennis Hopper. O personagem de Johnny, Rooster Cogburn, virou um de suas encarnações mais marcantes no cinema.

Dessa vez contamos com Jeff Bridges no papel principal, o que soa bem, dado o currículo do ator. Além de ser um velho amigo e colaborador dos irmãos co-diretores, Jeff já teve seus momentos de durão e beberrão ao longo da carreira. Cogburn foi um personagem marcante tanto na carreira de John Wayne quanto no cinema americano. Destacou-se justamente por ter sido um dos primeiros herois de western hollywoodiano a adotar o arquétipo do anti-heroi durão e pinguço. Um sujeito violento mas honesto, imoral mas justo. Hoje em dia esse é o personagem que mais se vê em filmes de ação, quadrinhos e video games, mas naquela época isso ainda era raro de se ver. Talvez o Cogburn do filme dos Coen não tenha o mesmo impacto no público da sua época como o das antigas teve, mas não há dúvidas que um bom personagem nas mãos de um bom ator sempre rende. Agora, teria Jeff Bridges o mesmo grit de Johnny para encarnar esse papel? Veremos, veremos...

Um detalhe que chama à atenção em Bravura Indômita é que Cogburn não é exatamente o personagem principal. A história é na realidade protagonizada por uma menina chamada Mattie Ross, que é quem põe toda a narrativa nos trilhos. A aventura começa depois que seu pai é assassinado e ela decide partir atrás do assassino, buscando a ajuda do nosso Rooster Cogburn e eventualmente contando também com o Texas ranger La Boeuf na esperança de vingar a morte do finado pai, seja por lei ou por chumbo. O que mais nos chama à atenção na personagem de Mattie é que ela é tão impulsiva, ousada e destemida quanto os próprios pistoleiros que a acompanham.

Enquanto o Cogburn do filme de 69 representou um novo conceito em heroi, a Mattie Ross interpretada por Kim Darby marcou mais pela estética do que pela persona. A atriz encarnou a figura jovem e andrógena de uma menina de cabelos curtos, roupas de homem e chapéu de cowboy. Como se não bastasse sua personalidade ousada e estupidamente valente, Mattie também tinha um visual perfeitamente masculino. A personagem do livro, da mesma forma que a nova Mattie do filme dos Coen, é uma menina de aparência bastante convencional, com suas trancinhas de garotinha de fazenda e tudo. A ideia de transformar Mattie numa figura masculina é exclusiva do filme de 69.

Isso é um bom sinal. Além do filme ajudar a popularizar a imagem do justiceiro imoral através de Cogburn, ele também colaborou na popularização da personagem "tomboy"; uma menina dotada de colhões (metafóricos) e que mesmo assim não abre mão do seu lado feminino. Da mesma forma que hoje é comum vermos personagens de moral duvidosa à la Cogburn protagonizando as histórias, também não é nada fora do convencional vermos mulheres de todas as idades que se encaixam perfeitamente nesse arquétipo que Mattie representa, tanto na ficção quanto na realidade. O que é mais curioso é que isso não era comum nem na época que o filme saiu e muito menos na época em que a história se dá. Terem concebido Mattie da forma que fizeram não foi nada menos ousado do que a concepção de Cogburn, talvez até bem mais. A personagem acabou representando um ponto na história no qual as mulheres passaram a provar que não deviam nada aos homens em caráter de coragem e bravura, fosse no velho oeste ou nos anos 60. Johnny se garante, mas Mattie Ross também tem todo o grit que ela precisa.

Infelizmente o fato dela se parecer com o Justin Bieber tira a credibilidade de tudo isso que eu acabei de falar.


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Jukebox de Tarantino - Per un pugno di surf music

A guitarrinha de Dick Dale virou um dos ícones da música do cinema depois de Pulp Fiction. Considerado o pai do surf rock, Dale se consagrou nos seus riffs de guitarra frenéticos e cheios de swing, inspirados tanto em arranjos de rockabilly clássico quanto na sua influência musical árabe, criando assim um novo conceito em rock n' roll. Surgia assim um som dançante, swingado e cheio de adrenalina. Através desse novo som, Dick Dale, junto a artistas como os Beach Boys e os Surfaris, criou nesse início dos anos 60 a cultura californiana dos surf rockers; jovens bronzeados e topetudos carregando suas pranchas no banco de trás dos Cadillacs conversíveis e cruzando as praias ensolaradas com suas lindas namoradinhas de biquíni de bolinha. Hoje em dia a cultura do surf se assemelha bem mais à do reggae, quando se trata de música, mas o surf rock foi o primeiro hino dessa geração dos surfistas rebeldes.

Tarantino particularmente não é fã dessa cultura. Com uma certa razão, ele afirma que é um universo um tanto quanto fútil e vaidoso, de rapazinhos topetudos metidos a galãs rebeldes á moda James Dean e meninhas frescas querendo se exibir em bíquinis, que na época eram o cúmulo da perversão feminina. 

O espírito da coisa era mais ou menos esse.

Então, de onde vem a influência da surf music na obra de Quentin? É bem simples, na verdade. Quem conhece bem os filmes do diretor pode perceber a influência forte que ele tem do gênero do "western". Os aficcionados já são mais específicos nessa identificação; trata-se do gênero do "spaghetti western", popularizado nos anos 60 pelo diretor italiano Sergio Leone. Um dos aspectos marcantes desse sub-gênero do cinema é, naturalmente, a música. O grande maestro italiano Ennio Morricone, colaborador frequente de Leone e autor das mais marcantes trilhas do gênero do faroeste, caracterizou não só todo um estilo musical, mas também todo um estilo cinematográfico com sua música.

A relação da música do maestro italiano com a surf music talvez seja inexistente na temática, mas na sonoridade existe sim uma semelhança. Afinal, em que se relacionam os temas musicais dos pistoleiros cavalgando deserto adentro e dos surfistinhas topetudos? A essência dos dois estilos vem da guitarra. O violão espanhol presente nas músicas de Morricone é bastante similar à guitarra elétrica das baladas de surf rock. As notas agudas, o levada lenta e o clima leviano porém pesado são características em comum entre esses dois gêneros. Isso se aplica tanto à comparação das baladas mais melódicas quanto à das mais animadas: Em caráter de freneticidade e técnica, o flamenco de um Paco De Lucia não fica devendo absolutamente nada ao rock n' roll de um Dick Dale da vida.

Claro, a semelhança é bem mais fácil de se notar quando você mesmo ouve. Aqui vão duas músicas cuja comparação fica ao seu critério: "Guitar Nocturne", de Morricone, da trilha sonora do clássico do Western italiano A Morte Anda a Cavalo; e "Surf Rider", dos Lively Ones, tema de encerramento de Pulp Fiction.

Não tem como negar a semelhança das duas músicas. Ambas têm um clima tanto leviano quanto pesado, tanto tranquilo quanto intenso. Ilustram a melancolia e a determinação do sujeito que encara a imensidão pela qual vaga; um diante da imensidão do deserto, o outro diante da imensidão do mar, ambos sobre o mesmo sol escaldante. As duas acompanham o ritmo lento e determinado do galope do pistoleiro e dos passos descalços do surfista, ambos sobre a areia quente. O movimento tranquilo e fluente das ondas da praia e das areias das dunas à mercê do vento. O frescor da brisa do mar e do vento do deserto.

Tarantino viu essa semelhança e incorporou o surf rock como a "balada do pistoleiro" do universo de Pulp Fiction. Se passando na ensolarada Califórnia, a própria história acabou se situando dentro do universo da música. Vale a pena tentar re-imaginar Pulp Fiction como um western tradicional partindo apenas da música... Se você não viu o filme e não quer estragar o final, NÃO VEJA O VÍDEO A SEGUIR. Agora, para vocês que já viram, experimentem assistir a cena com essa música do Morricone na cabeça: Visualizem Vincent e Jules como dois pistoleiros recém-escapados de um "stand-off" com um casal de bandoleiros mexicanos num saloon em pleno deserto texano, levantando-se e lentamente seguindo porta afora em direção à ensolarada terra-de-ninguém que é a América... 

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Fuga do Rio de Janeiro

Em tempos de guerra civil carioca, vale a pena relembrar o clássico do diretor John Carpenter, Fuga de Nova York. Nesse épico de ficção científica distópica/pós-apocalíptica, vemos uma Nova York dos então futuros anos 90 completamente à mercê do caos e da violência urbana. Devido ao crescimento alarmante da criminalidade, a cidade acaba sendo tomada por traficantes, assassinos e calhordas em geral, o que leva os cidadãos de bem a serem evacuados do território novaiorquino pelo governo americano. Literalmente deixada aos vermes, a carcaça de Nova York vira uma espécie de prisão; a ilha de Manhattan é isolada e sitiada por policiais, impedindo que qualquer um saia com vida. A bandidagem fica enjaulada, mas lá dentro eles têm controle total do território.

A merda se instaura quando o avião do presidente é abatido por terroristas e cai em Manhattan. Mais por azar do que por sorte, o presidente sobrevive. O grande lance é que Mr. President carrega consigo uma fita com dados importantes relacionados a um programa de pesquisa de fusão atômica com informações vitais para os governos dos Estados Unidos, China e União Soviética (VAI, anos 70!). Ao descobrirem que ele foi sequestrado e mantido refém pelo pica do crime novaiorquino, o "Duque de Nova York", só resta à polícia recorrer a um homem: Snake Plissken. Um anti-heroi fodão e sem nada a perder, enviado numa missão de resgate a um presidente de um país que o renegou. Começa aí uma violenta jornada ao coração das trevas americano.

O filme na realidade saiu no início dos 80, mas é baseado numa realidade já longínqua de uma Nova York dos anos 70 extremamente caótica e violenta. A cidade chegava a ser exótica de tão marginalizada; assaltos envolvendo assassinatos brutais eram mais comuns do que deveriam ser, gangues de rua ditavam as regras, narcotráfico era comércio, estuprar mulheres era um esporte de cavalheiros, e andar na rua ou no metrô de noite era puro suicídio. Essa Nova York suja e medonha é o mesmo universo de filmes como Taxi Driver ou The Warriors: Os Selvagens da Noite. John Carpenter criou um universo no qual esse caos urbano novaiorquino se extrapolava além de qualquer limite, e assim surgiu Fuga de Nova York.

Eu me pergunto se uma versão brasileira desse filme não iria engatar. Vejamos: O Rio vira uma prisão a céu aberto depois que os traficantes e milicianos alastram sua área de influência até a zona sul. Policias sendo fuzilados em praça pública, trocas de tiro constantes, batalhões de vinte ou trinta, todos fortemente armados, depredando as lojas e incendiando os carros. Tocado o terror, o Rio agora é deles. Evacuação de cidade? Essa é ótima. Suburbano e favelado tem mais é que se fuder, quem tiver dinheiro escapa sem problema, então tá resolvido. Feito isso, a PM começa a implantar UPPs não mais na porta dos morros, mas sim ao redor da cidade: Via Dutra, Região dos Lagos, Niterói, tudo sob ocupação constante da PM com um auxiliozinho básico do exército brasileiro. Volta e meia rola uma troca de tiros, mas o Brasil vai levando.

Eis que em sua viagem para São Paulo para assistir o jogo do Corinthians, o presidente sofre um atentado de radicais de direita e seu avião cai em plena zona sul do Rio. A PM então descobre que ele foi resgatado/sequestrado pelos criminosos e agora é mantido refém pelo maquiavélico "Rei do Rio". E agora? Como resgatar o presidente a tempo dele ver a final do Timão? Só resta à urubuzada recorrer à ajuda improvável e politicamente incorreta de Snake Nascimento, um ex-oficial do BOPE de uma longa linhagem de picas-grossas da fodeção do crime organizado, condenado injustamente (ou nem tanto) e agora escalado como a única esperança da mãe pátria que o abandonou.

"Wanna fuck me? Kiss me."

Até que renderia uma boa neo-chanchada trash, com uns tiroteiozinhos maneiros aqui e ali e um argumento social enfiado ali no meio de um forma meio sutil. Bota o Seu Jorge pra fazer o "Rei" e o elenco já tá de bom cabimento. Infelizmente, se esse filme fosse feito hoje ele serviria mais para entreter do que alertar quanto às consequências do que o Rio faz com ele mesmo, o que já é mais ou menos o caso de toda obra de cunho social que sai no Brasil hoje em dia. O mais triste, fora o fato de na vida real a merda continuar indo de encontro às hélices, é que esse filme nunca vai ser feito. A gente vai ter que se contentar com o que passa na Globo ou nos filmes do Padilha, e volta e meia abrir os olhos para o que de fato acontece, mas só para variar um pouco.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A Jukebox de Tarantino


É difícil encontrar algum diretor nos dias de hoje que dê à música nos seus filmes um papel tão importante quanto a dos filmes do Quentin Tarantino. Talvez o detalhe mais interessante da musicalidade desses seus filmes seja o fato dele só utilizar músicas já existentes, algumas retiradas até de trilhas de outros filmes. Claro, nada mais comum pro diretorzão hollywoodiano do que encomendar uma trilha fuderosa e sob medida a um Hans Zimmer da vida, e o trabalho sair excelente. Mas uma coisa é fazer a música a partir do filme, e a outra é fazer o filme a partir da música.

Quentin mais de uma vez já comentou que uma das suas fontes de inspiração favoritas é a sua coleção de discos. Um dos grandes enigmas na vida de todo fã do diretor é "Onde ele acha essas merdas?", que se aplica tanto aos filmes nos quais ele se inspira quanto nas músicas que ele incorpora à própria obra. Chafurdando nas trilhas dele você acha hits dos anos 70, clássicos do surf music, temas musicais de Westerns, música disco cigana, baladas do cinema oriental, David Bowie, rockabilly japonês, e a lista segue. O leitor desavisado acaba se perguntando que porra uma coisa tem a ver com a outra, e como tudo isso caberia num filme só. Realmente não é fácil de se conceber, mas pro Tarantino isso é rotina.

Além da influência da música no filme em si, ela também é um tema bastante recorrente no meio daqueles intermináveis diálogos casuais que o diretor adora tanto. É comum vermos os personagens conversando sobre música. A cena inicial de Cães de Aluguel, que é sistematicamente a primeira cena de Tarantino no cinema, é marcada pelo próprio Tarantino comentando o sentido oculto de "Like A Virgin", da Madonna. Vemos o diretor-barra-coadjuvante explicando por A mais B o porque a música fala sobre uma garota viciada em paus grandes.

Falar da música nos filmes desse sujeito rende muito assunto, então eu espero fazer muitos posts ao longo de muito tempo comentando filme por filme, trilha por trilha, e até música por música. A jukebox de Tarantino é tão vasta assim.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Horrorshow!


"Oh bliss! Bliss and heaven! Oh, it was gorgeousness and gorgeousity made flesh. It was like a bird of rarest-spun heaven metal or like silvery wine flowing in a spaceship, gravity all nonsense now. As I slooshied, I knew such lovely pictures!"

Nas imortais palavras do nosso velho amigo Alex. Esse trecho da narração ilustra a êxtase quase psicótica, quase erótica que o nosso heroi improvável sente ao ouvir a Nona de Ludwig Van. Ele menciona isso naquela cena que tem umas estatuetas de Jesus, umas explosões, o Alex com dentinhos de vampiro, você provavelmente se lembra.

Quem por alguma razão certamente muito escrota ainda não viu Laranja Mecânica não vai entender muito bem isso que eu acabei de mencionar. Quem já viu, ou pelo menos conhece bem o filme, sabe tão bem quanto eu o quão importante é o papel da música clássica nessa obra. Um dos detalhes que faz de Alex um personagem marcante é o seu gosto musical refinado, e a forma como ele incorpora a beleza artística dessa música à "beleza artística" da violência e da pervesão que ele adora praticar. A grandiosidade da sinfonia, o seu peso, sua imponência; tudo isso invade o coração do pequeno Alex, fazem ele se sentir colossal e onipotente como um deus grego ou um imperador romano. Seu sangue esquenta, seus músculos se retesam, suas pupilas se dilatam e seu pau fica duro.

A Nona de Luwig Van marcou a história do cinema como o tema musical de um jovem delinquente e psicopata. Se você acha que isso é um uso um tanto sacrilegioso demais para um clássico de importância tão grande para a história da música, eu gostaria de informar os puristas do rock clássico que quem quase ocupou esse cargo do Beethoven no filme de Kubrick teria sido ninguém menos que o Pink Floyd.




Naquele mesmo ano de 1970, quando Laranja Mecânica estava sendo filmado, o Pink Floyd tinha recentemente lançado o seu quinto disco, "Atom Heart Mother", o famoso "disco da vaca". Ele é marcado pela música de mais ou menos meia hora que ocupa o lado A inteiro do vinil, entitulada "Atom Heart Mother Suite". Se trata de uma verdadeira sinfonia escrita em conjunto pelos quatro integrantes da banda e o compositor erudito Ron Geesin, dividida num total de seis partes bastante distintas. O que marca a suite certamente é o tom grandioso e apoteótico dos arranjos de metais e as vozes ressonantes de um coral ao fundo. Quando se ouve a música da primeira vez é bem fácil de se sentir toda a força da ambição (ou "pretensão", caso você não goste dela) do Pink Floyd ao criar uma sinfonia prog tão avassaladora.

O detalhe é que o poder musical apoteótico que move as engrenagens do Atom Heart Mother é essencialmente o mesmo da Nona de Luwig Van, que nosso Alex gosta tanto. É a essência do horrorshow. Não é muito difícil de se imaginar a distopia de Kubrick sendo orquestrada pelo Pink Floyd.

Foi com isso em mente que o diretor recorreu à banda, solicitando o uso da suite como tema musical para o filme. Kubrick queria utilizar a suite na íntegra, usando as diversas partes da música como fundo para algumas cenas do filme. "Father's Shout", o tema de abertura da suite que se repete várias vezes ao longo dela, acabaria virando sem dúvida um dos temas mais icônicos da obra de Kubrick, talvez até tão icônico quanto a música em 2001: Um Odisséia no Espaço. Infelizmente não foi esse o caso.

Quando exigiu o direito de utilizar indefinidamente a suite inteira ao longo do filme, Kubrick acabou deixando os integrantes da banda um pouco desconfiados. O Pink Floyd nessa época já tinha alguma experiência na área cinematográfica; enquanto seu famoso The Wall ainda era um espermatozóide boiando nos tésticulos artísticos do Roger Waters, a banda já tinha feito a trilha do filme More, do diretor francês Barbet Schroeder. Sendo um grupo de rock de sucesso com um futuro promissor e nenhuma necessidade notável de faturar a qualquer custo, o Pink Floyd se recusou a arriscar uma "deturpação" do uso da obra e negou os direitos de uso ao diretor.

Num duelo de egos artísticos, Stanley Kubrick contra Roger Waters rende uma disputa acirrada. No final nenhum dos dois deu o braço a torcer, e a participação do Atom Heart Mother no Laranja Mecânica acabou se resumindo meramente à capa do disco à mostra na loja de discos que o Alex visita, curiosamente posicionada próxima à capa da trilha sonora de 2001. Nosso amigo Stanley felizmente se virou com o que tinha e se consagrou com o produto final, enquanto o Pink Floyd quase faliu em certo ponto da carreira e até hoje nutre um ódio unânime pelo disco da vaca que eles tanto amavam (o disco, não a vaca). Pra completar, Stanley ainda se vingou de Roger mais de vinte anos depois, negando a ele os direitos de uso de samples do HAL 9000 de 2001, que seriam usadas no seu disco solo Amused to Death. É, o karma dos direitos autorais não perdoa ninguém.

Alex nunca teve a chance de beber o leite ordenhado dessa vaca sagrada do rock. Eu não sei dizer se o Laranja Mecânica seria tão melhor assim do que já é caso essa parceria tivesse se consolidado. Mas sendo um fã muito suspeito pra falar de Kubrick e Pink Floyd eu pessoalmente não duvido que teria sido épico. Eu acho que os dois no mínimo têm a ver. Nesse contexto cultural do início dos anos 70, acho que vale dizer que Stanley Kubrick foi para o cinema o que o Pink Floyd foi para o rock. Viajou longe, avacalhou a convencionalidade, delirou, fascinou, inovou, criou um estilo próprio e é referência até hoje. A verdadeira nata daquela arte bizarra.

E agora, damas e cavalheiros, uma breve introdução ao seu ilustre anfitrião...

Eu sou um filhote dos anos 90, e cresci nesse universo de Sessão da Tarde e fita cassete. Assistir filmes pra mim era uma compulsão desde que eu era moleque, mesmo que esse meu vício fosse direcionado especificamente pros desenhos animados. Por alguma razão eu tinha essa concepção de que tudo que era desenho era por definição bom e engraçado, mesmo que eu não entendesse nada. Outro fator determinante era o quão politicamente incorreto era o desenho: quanto mais escatológico, violento e cheio de insinuações eróticas ele fosse, mais vívida e prazerosa era a diversão familiar que ele proporcionava. Muitos desenhos infantis que eu via seguiam mais ou menos esse linha, uns mais que outros: Ren & Stimpy, A Vida Moderna de Rocko e A Vaca e o Frango são exemplos clássicos. Mas os que realmente faziam uma jornada além da fronteira do politicamente correto eram essas pérolas daquela safra de noventa-e-pouco, como Beavis & Butthead, South Park, os já veteranos Simpsons, e até o então recém-nascido Family Guy. Se me derem licença, eu vou estravasar um pouquinho da minha nostalgia revoltada e mencionar o seguinte: dessas séries todas, as que não acabaram ficaram ridículas, repetitivas e simplesmente sem graça. Hoje em dia, a moda da animação adulta é o humor nonsense e sem criatividade direcionado para o público "stoner", que eles acham que vai rir de qualquer coisa. Mas naquela época a animação adulta era retardada de um jeito muito, muito digno e sem pretensão, e foi boa o bastante pra marcar a infância de pelo menos um cara.

Eventualmente eu por alguma razão mudei de ideia em relação aos filmes "adultos", e aí comecei a querer assistir filmes com atores. Vai ver foi porque eu tinha chegado naquela idade em que "desenho é coisa de criança". Comecei a ver filmes de terror, que isso sim era coisa de adulto. Desnecessário dizer que o meu cagaço durante o filme era indescritível, mas ninguém podia saber. O papo era sempre na linha do "Ah, aí eu assisti Sexta-Feira 13 pela décima vez ontem, mas nem dá medo", esperando conquistar a admiração dos meus coleguinhas, a qual eu nunca consegui por razões óbvias. Na onda de assistir filmes de terror na esperança de ficar adulto mais cedo, eu por sorte acabei vendo muitos filmes grotescamente bons, e descobri a magia do cinema B. O que será que tinha de tão cativante em todos aqueles galões de sangue "suco de tomate", ou nas tripas que pareciam macarronada? O que é que tinha de tão engraçado naquelas histórias sem sentido, nas cenas de sexo súbitas e desnecessárias, nas mortes ridículas e inverossímeis dos personagens? Acho que até hoje eu não sei, mas tá tudo lá pra ser degustado.

Treze anos. É nesse ponto da sua vida que você tem que decidir se você vai ser um moleque ou homem. E adivinha qual dos dois eu era? Um homem, é claro, porque eu ouvia metal e via filmes de zumbi. Cinema "sério"? Nem fudendo. Cinema "sério" é chato. Porque é que eu vou querer ver um filme bom, se eu posso ver um tão ruim que é bom? Só quem assiste esses filmes é gente velha que nem os meus pais e os amigos deles. Ao invés disso eu vou ficar aqui vendo esses filmes nojentos que só eu sou macho o bastante pra assistir sem nem pestanejar, e contemplar a minha própria macheza. Ah, se eu encontrasse eu mesmo naquela época eu juro que eu ia me dar tanta porrada... Mas tudo bem, deixa o moleque ser moleque.

Os anos passaram, e por mais que a minha idade mental não tenha avançado muito, eu sou forçado a reconhecer que o meu gosto amadureceu de verdade. Tive muita ajuda de amigos que entendem do assunto, e até dos meus pais, que me mostraram que as obras-primas e o trabalho dos grandes diretores tinham muito a ver com os filmes que eu gostava. Conheci Kubrick através da boa e velha ultraviolência. O terror psicológico de David Lynch. Conheci Hitchcock em meio a suspense e facadas. Sergio Leone ao som de tiros e riffs de guitarra. Enfim, conheci todo um novo universo dentro do cinema, e aí comecei a dar valor ao que presta. Dei uma chance aos clássicos, ao cinema de arte e ao independente decente. Cheguei à conclusão que o cinema é um território que vale a pena ser desbravado. Agora claro, por melhor que isso tudo seja, nada disso nunca vai superar a minha paixão por filmes B, cinema trash e terror dos anos 50.

Ok, então meio que em virtude disso eu criei esse espaço. Sendo o fã demente de cinema que eu sou, eu peço licensa para usar este espaço para recomendar filmes que eu gosto, comentar eles e com alguma esperança arrumar algum leitor que queira discutir sobre o que eu postar aqui. O mais importante, porém: A única coisa que eu gosto mais do que cinema é a música. Basicamente tudo que eu mencionar aqui vai ter alguma influência musical de uma forma ou de outra. Se tem uma coisa que eu sei é que a música e o cinema formam um par perfeito. São o Bonnie e Clyde do universo das artes. Enfim...

Senhoras e senhores, devido à natureza excepcionalmente chocante da apresentação que estão prestes a assistir, somos por motivos de força maior levados a educadamente instruí-los a prezar por sua própria segurança. Aqueles dos cavalheiros aqui presentes que porventura sofram de problemas cardíacos, crises nervosas ou mesmo aversão a terror intenso e realismo explícito são alertados a se retirar imediatamente do recinto. Quem é macho pode ficar, e boa sessão.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"Groovy"?

groov·y [ˈgruːvɪ]
adj. groov·i·er, groov·i·est (Slang, British informal)
· Very pleasing; wonderful.
· Attractive, fashionable, or exciting.