quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Jukebox de Tarantino - Per un pugno di surf music

A guitarrinha de Dick Dale virou um dos ícones da música do cinema depois de Pulp Fiction. Considerado o pai do surf rock, Dale se consagrou nos seus riffs de guitarra frenéticos e cheios de swing, inspirados tanto em arranjos de rockabilly clássico quanto na sua influência musical árabe, criando assim um novo conceito em rock n' roll. Surgia assim um som dançante, swingado e cheio de adrenalina. Através desse novo som, Dick Dale, junto a artistas como os Beach Boys e os Surfaris, criou nesse início dos anos 60 a cultura californiana dos surf rockers; jovens bronzeados e topetudos carregando suas pranchas no banco de trás dos Cadillacs conversíveis e cruzando as praias ensolaradas com suas lindas namoradinhas de biquíni de bolinha. Hoje em dia a cultura do surf se assemelha bem mais à do reggae, quando se trata de música, mas o surf rock foi o primeiro hino dessa geração dos surfistas rebeldes.

Tarantino particularmente não é fã dessa cultura. Com uma certa razão, ele afirma que é um universo um tanto quanto fútil e vaidoso, de rapazinhos topetudos metidos a galãs rebeldes á moda James Dean e meninhas frescas querendo se exibir em bíquinis, que na época eram o cúmulo da perversão feminina. 

O espírito da coisa era mais ou menos esse.

Então, de onde vem a influência da surf music na obra de Quentin? É bem simples, na verdade. Quem conhece bem os filmes do diretor pode perceber a influência forte que ele tem do gênero do "western". Os aficcionados já são mais específicos nessa identificação; trata-se do gênero do "spaghetti western", popularizado nos anos 60 pelo diretor italiano Sergio Leone. Um dos aspectos marcantes desse sub-gênero do cinema é, naturalmente, a música. O grande maestro italiano Ennio Morricone, colaborador frequente de Leone e autor das mais marcantes trilhas do gênero do faroeste, caracterizou não só todo um estilo musical, mas também todo um estilo cinematográfico com sua música.

A relação da música do maestro italiano com a surf music talvez seja inexistente na temática, mas na sonoridade existe sim uma semelhança. Afinal, em que se relacionam os temas musicais dos pistoleiros cavalgando deserto adentro e dos surfistinhas topetudos? A essência dos dois estilos vem da guitarra. O violão espanhol presente nas músicas de Morricone é bastante similar à guitarra elétrica das baladas de surf rock. As notas agudas, o levada lenta e o clima leviano porém pesado são características em comum entre esses dois gêneros. Isso se aplica tanto à comparação das baladas mais melódicas quanto à das mais animadas: Em caráter de freneticidade e técnica, o flamenco de um Paco De Lucia não fica devendo absolutamente nada ao rock n' roll de um Dick Dale da vida.

Claro, a semelhança é bem mais fácil de se notar quando você mesmo ouve. Aqui vão duas músicas cuja comparação fica ao seu critério: "Guitar Nocturne", de Morricone, da trilha sonora do clássico do Western italiano A Morte Anda a Cavalo; e "Surf Rider", dos Lively Ones, tema de encerramento de Pulp Fiction.

Não tem como negar a semelhança das duas músicas. Ambas têm um clima tanto leviano quanto pesado, tanto tranquilo quanto intenso. Ilustram a melancolia e a determinação do sujeito que encara a imensidão pela qual vaga; um diante da imensidão do deserto, o outro diante da imensidão do mar, ambos sobre o mesmo sol escaldante. As duas acompanham o ritmo lento e determinado do galope do pistoleiro e dos passos descalços do surfista, ambos sobre a areia quente. O movimento tranquilo e fluente das ondas da praia e das areias das dunas à mercê do vento. O frescor da brisa do mar e do vento do deserto.

Tarantino viu essa semelhança e incorporou o surf rock como a "balada do pistoleiro" do universo de Pulp Fiction. Se passando na ensolarada Califórnia, a própria história acabou se situando dentro do universo da música. Vale a pena tentar re-imaginar Pulp Fiction como um western tradicional partindo apenas da música... Se você não viu o filme e não quer estragar o final, NÃO VEJA O VÍDEO A SEGUIR. Agora, para vocês que já viram, experimentem assistir a cena com essa música do Morricone na cabeça: Visualizem Vincent e Jules como dois pistoleiros recém-escapados de um "stand-off" com um casal de bandoleiros mexicanos num saloon em pleno deserto texano, levantando-se e lentamente seguindo porta afora em direção à ensolarada terra-de-ninguém que é a América... 

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