quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Fuga do Rio de Janeiro

Em tempos de guerra civil carioca, vale a pena relembrar o clássico do diretor John Carpenter, Fuga de Nova York. Nesse épico de ficção científica distópica/pós-apocalíptica, vemos uma Nova York dos então futuros anos 90 completamente à mercê do caos e da violência urbana. Devido ao crescimento alarmante da criminalidade, a cidade acaba sendo tomada por traficantes, assassinos e calhordas em geral, o que leva os cidadãos de bem a serem evacuados do território novaiorquino pelo governo americano. Literalmente deixada aos vermes, a carcaça de Nova York vira uma espécie de prisão; a ilha de Manhattan é isolada e sitiada por policiais, impedindo que qualquer um saia com vida. A bandidagem fica enjaulada, mas lá dentro eles têm controle total do território.

A merda se instaura quando o avião do presidente é abatido por terroristas e cai em Manhattan. Mais por azar do que por sorte, o presidente sobrevive. O grande lance é que Mr. President carrega consigo uma fita com dados importantes relacionados a um programa de pesquisa de fusão atômica com informações vitais para os governos dos Estados Unidos, China e União Soviética (VAI, anos 70!). Ao descobrirem que ele foi sequestrado e mantido refém pelo pica do crime novaiorquino, o "Duque de Nova York", só resta à polícia recorrer a um homem: Snake Plissken. Um anti-heroi fodão e sem nada a perder, enviado numa missão de resgate a um presidente de um país que o renegou. Começa aí uma violenta jornada ao coração das trevas americano.

O filme na realidade saiu no início dos 80, mas é baseado numa realidade já longínqua de uma Nova York dos anos 70 extremamente caótica e violenta. A cidade chegava a ser exótica de tão marginalizada; assaltos envolvendo assassinatos brutais eram mais comuns do que deveriam ser, gangues de rua ditavam as regras, narcotráfico era comércio, estuprar mulheres era um esporte de cavalheiros, e andar na rua ou no metrô de noite era puro suicídio. Essa Nova York suja e medonha é o mesmo universo de filmes como Taxi Driver ou The Warriors: Os Selvagens da Noite. John Carpenter criou um universo no qual esse caos urbano novaiorquino se extrapolava além de qualquer limite, e assim surgiu Fuga de Nova York.

Eu me pergunto se uma versão brasileira desse filme não iria engatar. Vejamos: O Rio vira uma prisão a céu aberto depois que os traficantes e milicianos alastram sua área de influência até a zona sul. Policias sendo fuzilados em praça pública, trocas de tiro constantes, batalhões de vinte ou trinta, todos fortemente armados, depredando as lojas e incendiando os carros. Tocado o terror, o Rio agora é deles. Evacuação de cidade? Essa é ótima. Suburbano e favelado tem mais é que se fuder, quem tiver dinheiro escapa sem problema, então tá resolvido. Feito isso, a PM começa a implantar UPPs não mais na porta dos morros, mas sim ao redor da cidade: Via Dutra, Região dos Lagos, Niterói, tudo sob ocupação constante da PM com um auxiliozinho básico do exército brasileiro. Volta e meia rola uma troca de tiros, mas o Brasil vai levando.

Eis que em sua viagem para São Paulo para assistir o jogo do Corinthians, o presidente sofre um atentado de radicais de direita e seu avião cai em plena zona sul do Rio. A PM então descobre que ele foi resgatado/sequestrado pelos criminosos e agora é mantido refém pelo maquiavélico "Rei do Rio". E agora? Como resgatar o presidente a tempo dele ver a final do Timão? Só resta à urubuzada recorrer à ajuda improvável e politicamente incorreta de Snake Nascimento, um ex-oficial do BOPE de uma longa linhagem de picas-grossas da fodeção do crime organizado, condenado injustamente (ou nem tanto) e agora escalado como a única esperança da mãe pátria que o abandonou.

"Wanna fuck me? Kiss me."

Até que renderia uma boa neo-chanchada trash, com uns tiroteiozinhos maneiros aqui e ali e um argumento social enfiado ali no meio de um forma meio sutil. Bota o Seu Jorge pra fazer o "Rei" e o elenco já tá de bom cabimento. Infelizmente, se esse filme fosse feito hoje ele serviria mais para entreter do que alertar quanto às consequências do que o Rio faz com ele mesmo, o que já é mais ou menos o caso de toda obra de cunho social que sai no Brasil hoje em dia. O mais triste, fora o fato de na vida real a merda continuar indo de encontro às hélices, é que esse filme nunca vai ser feito. A gente vai ter que se contentar com o que passa na Globo ou nos filmes do Padilha, e volta e meia abrir os olhos para o que de fato acontece, mas só para variar um pouco.

Um comentário:

  1. O filme já tá feito, basta pegar uma câmera e ir pra rua filmar.
    Se você voltar vivo, voilá!

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